quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O poder e os discursos das “verdades”


O poder hoje na sociedade está presente em diferentes formas. O poder para muitos é sinônimo de “autoridade”, o que nem sempre é verdade. Ele atua como instrumento de “controle”, como por exemplo, na política, onde leis e decretos regem como um ladrão deve receber sua punição, e, ao mesmo tempo, como ajuda um político corrupto, esperto e influente (ou seja, cheio de ‘poder’) a burlar a justiça e se safar de suas falcatruas.
O poder não fala por si só, há por traz dele muitos jogos de interesses que são justificados quando analisados minuciosamente. O poder funciona conforme o desejo de quem o possui. Geralmente esses possuidores natos de poder são pessoas influentes, de muitas posses, mais escolarizadas e que fazem a história do poder desde o seu início.
Se por exemplo o poder fosse dado nas mãos de um ser que foi pobre durante a vida toda, quase que com certeza poderia se afirmar ele não saberia administrá-lo e outros dotados de mais poder possivelmente o tomariam dele. Por isso, é preciso bem mais que “poder” para que ele exista! Educação, informação, capital e estratégia fazem com que o poder exista nas mãos certas!
Segundo Foucault o grande questionamento que envolve as questões sobre o poder está relacionado com a produção da “verdade”. “Não quero fazer a sociologia histórica de uma proibição, mas a história política de uma produção de “verdade”. (MOTTA, p. 230).
Menciona também que os discursos que circulam na sociedade, produzidos por pessoas, tais funcionam como verdades quase absolutas, gerando assim determinado grau de poder à alguém.
Para ele então, um dos meios de obter esse poder é através da produção de verdades criadas por homens. Verdades às vezes criadas por uma só pessoa ou um grupo segregado de indivíduos mais bem preparados, que, por coincidência ou não, geralmente são os mais influentes, estudados e informados. Essas verdades geralmente são produzidas por “discursos” – visões independentes – de apenas algumas pessoas, mas que fazem circular essas informações, validando-as.
O filme “Tropa de Elite” que conta a história do Capitão Nascimento, do Batalhão de Operações Especiais, o BOPE, a mais temida corporação policial do Rio de Janeiro, podemos perceber o poder citado por Foucault em diferentes cenas, mas principalmente porque essas cenas se aproximam totalmente da realidade atual. O ser humano ainda quer deter o poder, possuí-lo, ainda que esse poder não seja exercido por ele mesmo.
Em “Tropa de Elite” é bem claro perceber alguns tipos existentes de poderes da sociedade de atual. Um tipo de poder que ora é justo, ora é injusto, dependendo de quem está por de traz e dos jogos de interesses existentes.
Todos os seres humanos desde o início de suas vidas, na fase da infância buscam idolatrar alguém, ou seja, procuram ídolos nos quais querem se espelhar, ou até mesmo queriam ser. Percebe-se isso nos filmes de super-heróis que hoje ainda são ressuscitados pelos adultos de formas diferentes e inusitantes, mais fortes, mais rápidos, mais superes... . Isso também é uma forma de exercer o poder, de forma passiva, desejando no outro aquilo que ele não pode ser.
Hoje, a polícia dos homens para muitos são os super-heróis “humanos” que espelham o desejo de uns e a tragédia de outrem.
Para os fãs do filme “Tropa de Elite” as falas de alguns personagens são reproduzidas no seu dia-a-dia, como por exemplo, as do Capitão Nascimento. “Aspira”, que quer dizer aspirante, termo que chegou às ruas como sinônimo de “otário” e “zero-um, pede pra sair”, são falados com tons de deboche por muitas pessoas, principalmente os jovens.
O personagem do Capitão Nascimento é o ídolo daqueles que gostariam de representar um ser cheio de ‘autoridade’, o “super-herói humano” de muitos jovens sonhadores que repetem suas falas – seus discursos por aí. Um personagem que no filme demonstra autoridade e ministra a ‘disciplina’ naquele quartel. Além de tudo é o típico ser “bonzinho”, honesto, que quer justiça, e, que alguém deseja ser.
Considerando o discurso como um instrumento de ‘controle e poder’, os discursos do Capitão Nascimento podem ser vistos como o que as pessoas esperam, aquilo que se deseja ouvir ou que se almeja alcançar em relação a segurança da cidade – o combate às drogas, ao tráfico e a bandidagem.

“Este tipo de discurso é, na verdade um formidável instrumento de controle e de poder. Ele utiliza, como sempre, o que dizem as pessoas, o que elas sentem, o que elas esperam. Ele explora a tentação de acreditar que é suficiente, para ser feliz, ultrapassar o umbral do discurso e eliminar algumas proibições. E de fato acaba depreciando e esquadrinhando os movimentos de revolta e liberação...” (MOTTA, p. 233).

Para Foucault as relações de poder são produtivas também. A proibição, por exemplo, está muito longe de ser uma forma de poder, muito pelo contrário, é o seu limite, a maneira de exercer o controle de forma mais extrema e frustrante.
Para as pessoas que assistiram o filme “Tropa de Elite” qual seria a polícia verdadeira? A PM (Polícia Militar) ou o BOPE? Será que poderíamos dizer qual é a menos corrupta hoje em dia? Quem é o bandido e o mocinho? No filme fica claro qual é o lado do bem e do mal, mas “Tropa de Elite” foi alvo de muita crítica em afirmar que a PM é corrupta e o BOPE não. Essa visão se passa também pela cabeça de muitos espectadores. Mas será que todos os policiais do BOPE nunca se venderam, deixando-se levar pela propina e tornando-se corruptos.
Talvez o “melhor discurso”, aquele do qual Foucault já havia falado, o “considerado mais verdadeiro”, seja a explicação para a glória dos policiais do BOPE e a tragédia dos policiais da PM. O discurso também é um meio de recorrer em seu favor e uma forma de mostrar à sociedade o seu trabalho. No Brasil é muito raro ouvirmos um PM se pronunciar sobre seu trabalho. As reportagens quase sempre mostram as falhas da PM. É preciso mostrar também a parte boa do trabalho. Talvez seja por isso que não haja melhores planos políticos para a PM. É fundamental saber se comunicar, discursar e tentar convencer.
O filme “Tropa de Elite” também mostra o quanto a corrupção tem se propagado no meio policial. Haja visto que se trata de uma prática humana errada e sem justificativas, considerando que a polícia deve representar a própria ‘justiça’. Como é que um policial poderia não se corromper diante de um sistema que é mais forte que ele?
Foucault diz que “onde existe poder, existe resistência”, ou seja, desde o momento em que “há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência” (MOTTA, p. 241). Foucault quer dizer que sempre temos uma escolha, não estamos acorrentados e presos pelo poder, através de uma estratégia por exemplo modificar a dominação que o poder exerce em determinadas condições e situações.
...“Para resistir, é preciso que a resistência seja como o poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele, venha de “baixo” e se distribua estrategicamente.” (Motta, p. 241)
Depois de tantas análises sobre o “poder”, independentemente do modelo que deva existir ou predominar na sociedade, seja ele como lei, proibição, instituição, e, ou guerreiro ou estratégico presente nas relações de força, o mais importante é saber reconhecê-lo. Talvez a incompetência do ser humano em não saber enfrentar o poder está na ignorância de não identificá-lo. Desde o momento que o poder e suas relações são descobertas, fica mais fácil enfrentá-lo, fica mais fácil resistir e porque não dizer fazer/criar o “seu próprio poder.”

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